segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

SAUDADE

Por: Elisa Marante

“Saudade é o revés de um parto, ou arrumar o quarto do filho que já morreu.” (Chico Buarque)

Será que podemos ter saudade sem sentir dor?

Quando dizemos “estou com saudade”, já significa sentir um aperto no peito, uma aflição no coração que não conseguimos definir como ela é, mas que dilacera e é difícil suportar.

Pode ser uma dor forte, quando sabemos que é algo que nunca voltará a acontecer, ou alguém inesquecível que, por alguma razão, sabemos que nunca mais voltaremos a ver.

É uma lembrança embaçada, um perfume que sentimos, uma música que ouvimos e que nos faz lembrar de um momento ou de alguém muito marcante nas nossas vidas.

São ganchos do passado que carregamos entrelaçados em nossos corpos e, que algumas vezes nos impedem de ser felizes, mas que por outro lado nos levam a ter esperanças de um dia sermos ou termos dias melhores.

Saudade de alguém que sabemos que vamos rever é prazeroso. Saudade de alguém que sabemos que não veremos mais é doloroso.

Viver tem suas dores e prazeres. A saudade pode trazer a dor. Mas se vivermos em função dela, deixamos de sentir o presente e acabamos vivendo como um navio que não deixa o cais para realizar sua viagem.

Toda saudade amarga tem sua doçura, mas, se ela passar a te trazer somente dor, levante a âncora do seu navio e abandone o cais. Siga seu caminho, vigiando os pensamentos e resgatando tudo que há de melhor deste passado.

Esqueçamos a dor. Vamos viver o presente intensamente e fazer dele uma nova saudade... uma doce saudade no futuro....

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

BARCO PARADO NO CAIS


Por: Jô Martines

Dizem que barco que fica tempo demais parado no cais acaba apodrecendo.
Vida de barco é navegar, é deslizar daqui para ali.
É enfrentar as marés, as correntes, as tempestades, e até mesmo as calmarias.
Barco parado no cais morre a cada amanhecer sem alçar âncoras.
Morre a cada entardecer sem cumprir seu destino de navegar. E voltar ao cais.
Barco parado é tristeza de pescador. É impotência de marinheiro. É inutilidade de leme. É peso morto de âncora.
Às vezes eu me sinto como um barco parado.
Passam-se os dias, passam-se as marés e permaneço na inércia do meu próprio ser.
Não avanço rumo ao horizonte. Não traço minhas rotas. Não deslizo nas correntes.
Não navego no mar de possibilidades, de devires.
Dia após dia, o casco encharca, incha, apodrece.
Dia após dia a aurora chega e se vai. E eu fico.
Ter um porto seguro é sim imprescindível.
Mas como já cantarolou lusamente Caetano, “navegar é preciso, viver não é preciso”.
Porque navegar é viver. Navegar é cumprir destino. É agir pela própria natureza.
Barco parado no cais sobrevive. O balouçar mostra que ainda há vida, mas só vegetativa.
Abrir espaço no oceano, ter nuvens, sol, chuva, vento, pássaros marinhos acima, isso sim é viver.
E o horizonte. Ah, o horizonte! Mostrando que o oceano não tem fim. Que a gente tem de prosseguir.
Que a gente tem de viver a experiência de desembarcar em novos portos, novas águas.
Barco parado é tristeza. É impotência. É inutilidade. É peso morto.