quinta-feira, 26 de julho de 2012

PRA QUE SERVEM FALSOS PUDORES?

Por: Jô Martines

Ela queria ser beijada. Queria ser desejada. Ansiava pelo gesto, pelo olhar, pela voz rouca sussurrando promessas.
Ao mesmo tempo, ela sentia que não poderia ser daquela forma. Aquela certeza pesava em sua mente.
Mas então porque aquela vontade avassaladora de pertencer a outro homem? De quebrar regras, mandar às favas as convenções, de se entregar?
Porque ficar presa a um compromisso frouxo, morno, desbotado?
Sem perceber, de porque em porque ela foi criando, foi construindo um imenso labirinto.
Até que um dia qualquer, acabou se perdendo dentro da própria criação.
Sem poder contar com o “fio de Ariadne” para voltar, permaneceu muito tempo nesse labirinto, fazendo suas conjecturas, pisando e repisando cada detalhe de tudo o que viveu antes de lá chegar.
E foi então que descobriu que até mesmo um falso pudor tem lá sua serventia.
É que ela percebeu que entre um falso pudor e um autêntico tem muito de nós mesmos.
Tem um pouco da nossa personalidade, tem uma boa porção de expectativas e tem também a matéria básica de que somos feitos: nossas memórias ancestrais.
Claro que tem um bom quinhão de convenções sociais, preconceitos, e tudo o mais, que vem junto no mesmo pacote.
Mas até nisso o tempo gasto dentro do labirinto lhe rendeu bons insights, porque ela finalmente conseguiu perceber que até mesmo nos falsos pudores tem um ingrediente essencial, que funciona como um sistema que impede que a dor do arrependimento se instale em nossos corações.
Pudores são os freios sociais. Só não se pode dizer que são “itens de série”, como acontece nos automóveis.
Entretanto, se pode com certeza afirmar que são “acessórios” muito bem-vindos, e que são rápida e facilmente instalados. Tão bem instalados que acabam por fazer parte da gente.
Sem eles alguns de nós poderiam até sentirem-se nús.
E foi justamente essa sensação de nudez que a acometeu.
Onde buscar desculpas esfarrapadas para poder cobrir-se?
Onde se esconder daqueles olhares de acusação, de reprovação?
Continuar perdida no labirinto de si mesma ou se expor, em toda a sua nudez?
Foi então que ela decidiu: iria aprender a conviver com todos eles.
Com os falsos pudores. Com os verdadeiros. Com os medos, os preconceitos e principalmente com os seus próprios desejos.
Mesmo que os demais os considerassem impróprios...

sexta-feira, 13 de julho de 2012

O FAROL

Por: Elisa Marante

Hoje eu me sinto um farol. Moro numa praia distante. Fico atento a tudo que acontece ao meu redor e, ao mesmo tempo, visível e brilhante. Meu sobrenome é Solidão. Tenho tudo, pertenço ao mundo e, ao mesmo tempo não tenho nada e não sou de ninguém.

Meu grande companheiro é o mar. Eu não saio do lugar, mas quando as ondas vêm e vão ou a maré sobe e desce, tenho a sensação de estar caminhando sobre as águas, explorando lugares, fazendo coisas que ninguém fez.

De repente, me dou conta que foi só uma ilusão. Continuo no mesmo lugar, na vida que escolhi. Sempre livre e observando o que eu mais amo: o mar, que transparece a liberdade.

Os golfinhos são meus amantes - doces companhias. Eles me amam e sempre que peço, eles me visitam. Tenho também as baleias - gigantes e poderosas. Ainda tenho os outros peixes. Alguns são exóticos e outros de beleza estonteante. Na areia, brinco com as tartarugas, lentas e, embora de poucas palavras, demonstram extrema sabedoria.

E os pássaros? As gaivotas são as minhas preferidas. Ás vezes tenho inveja delas por terem o poder de voar... Alguns desses animais me pedem pra ir embora com eles. Num súbito momento, quero me arrancar da terra, soltar meu alicerce e seguir... mas não vou. Algo invisível me prende. Orgulho de ser só. Orgulho de ser um farol. Ou medo de enfrentar o escuro, o estranho. Enfrentar aquilo que não conheço.

Apesar de sentir falta de ver o dia raiar com alguém ao meu lado, de alguém me ajudando a trocar as lâmpadas que estão queimadas ou me fazendo cócegas quando sobe minhas escadas, ainda assim, eu prefiro estar sozinho, livre e sem compromissos. Meu compromisso é comigo mesmo e com o mar.

Ser sozinho é um exercício. Um exercício de amor. Aprendo a me amar um pouco mais a cada dia. Aprendo a fazer tudo que quero e a fazer sozinho. Se não tenho ninguém, eu mesmo troco minhas lâmpadas queimadas. Espero as chuvas e eu mesmo lavo minhas janelas. Mas as cócegas... isso eu não consigo fazer nas minhas próprias escadas. Isso eu não consigo aprender. Bem, mas nem tudo é perfeito. A vida é feita de escolhas...

Sou sozinho, solteiro, paciente e observador. Sigo o meu caminho, ou melhor, o meu tempo, com muita paciência e observando tudo ao meu redor. Isso me ensina cada vez mais a lidar com a vida que escolhi.

Todos me vêem, mas ninguém consegue me tocar por inteiro. Um dia namoro um peixe, no outro faço amor com uma estrela. Mas não sou de ninguém, e ninguém me pertence.

O meu único medo, é um dia perceber que estar sozinho é a minha única opção.