quinta-feira, 3 de outubro de 2013

BARCO PARADO NO CAIS


Por: Jô Martines

Dizem que barco que fica tempo demais parado no cais acaba apodrecendo.
Vida de barco é navegar, é deslizar daqui para ali.
É enfrentar as marés, as correntes, as tempestades, e até mesmo as calmarias.
Barco parado no cais morre a cada amanhecer sem alçar âncoras.
Morre a cada entardecer sem cumprir seu destino de navegar. E voltar ao cais.
Barco parado é tristeza de pescador. É impotência de marinheiro. É inutilidade de leme. É peso morto de âncora.
Às vezes eu me sinto como um barco parado.
Passam-se os dias, passam-se as marés e permaneço na inércia do meu próprio ser.
Não avanço rumo ao horizonte. Não traço minhas rotas. Não deslizo nas correntes.
Não navego no mar de possibilidades, de devires.
Dia após dia, o casco encharca, incha, apodrece.
Dia após dia a aurora chega e se vai. E eu fico.
Ter um porto seguro é sim imprescindível.
Mas como já cantarolou lusamente Caetano, “navegar é preciso, viver não é preciso”.
Porque navegar é viver. Navegar é cumprir destino. É agir pela própria natureza.
Barco parado no cais sobrevive. O balouçar mostra que ainda há vida, mas só vegetativa.
Abrir espaço no oceano, ter nuvens, sol, chuva, vento, pássaros marinhos acima, isso sim é viver.
E o horizonte. Ah, o horizonte! Mostrando que o oceano não tem fim. Que a gente tem de prosseguir.
Que a gente tem de viver a experiência de desembarcar em novos portos, novas águas.
Barco parado é tristeza. É impotência. É inutilidade. É peso morto.